Ana Cañas persegue as emoções reais de Belchior em gravação com adesões de Ney Matogrosso e Rael
12/07/2022 05:33 em Novidades

Cantora inclui 'Monólogo das grandezas do Brasil' no roteiro do registro audiovisual do show em que aborda o repertório do compositor cearense com direito à música inédita 'Um rolê no céu'.

Por Mauro Ferreira*

Nadja Kouchi / Divulgação

SÃO PAULO (SP) – Ao terminar de cantar Fotografia 3x4 (1976), ao lado do piano de Adriano Grineberg, Ana Cañas enfatizou o verso final “Eu sou como você que me ouve agora” em repetição que serviu para conectar a artista paulistana com as emoções reais dessa música em que o compositor cearense Antonio Carlos Belchior (26 de outubro de 1946 – 30 de abril de 2017) narra as dissonâncias e tiranias encaradas pelos nordestinos que migram para Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP).

Cañas é paulistana, mas, ao romper com a mãe e sair de casa aos 18 anos, também sofreu na pele as agruras de quem luta para sobreviver na selva das cidades grandes, driblando fome e preconceito. Na plateia, sentada, estava a mãe com quem a artista ficou sem falar por cerca de dez anos, até a reconciliação. 

Ao fim da história narrada por Cañas, a mãe da artista se levantou. Ambas então extravasaram em longo abraço a emoção real que a cantora gentilmente se recusou a repetir – com razão – quando o diretor Hugo Moura pediu que o número fosse refeito. 

A cena foi espontânea e se tornou o ponto alto do registro audiovisual do show Ana Cañas canta Belchior, gravado nas últimas terça-feira e quarta-feira, 5 e 6 de julho de 2022, no estúdio NaCena, na cidade de São Paulo (SP). 

Desde que lançou o álbum Ana Cañas canta Belchior (2021) no ano passado, em série de EPs editados há um ano, a artista vem cumprindo intensa agenda de shows pelo Brasil. São apresentações turbinadas pelo efeito catártico provocado pelo cancioneiro de Belchior no público brasileiro.

Em opção corajosa, ao gravar o show para gerar álbum ao vivo e conteúdo audiovisual, Cañas abriu mão dessa catarse popular para registrar o show diante de plateia formada por cerca de 40 convidados da artista, amigos em maioria.

“Nos shows, o público enlouquece. Vocês estão muito certinhos”, comparou Cañas, já ao fim da gravação, em fala no palco que sinalizou que a cantora detectou o risco de se afastar do público neste momento importante da trajetória do tributo. 

A favor da artista, há o trunfo de o repertório do álbum ao vivo contar com (boa) música inédita de Belchior em parceria com Graco, Um rolê no céu, captada duas horas antes da gravação do show, na presença de poucas pessoas, para evitar vazamentos. A letra foi escrita por Belchior em 1987. 

A favor de Cañas, há também as participações de Ney Matogrosso e Rael, nomes fortes nos segmentos da MPB e do hip hop, respectivamente.

Ney entrou em cena para cantar Paralelas (1975) em registro pautado por sensualidade que contrastou com o sentido da letra dessa balada em que Belchior falou de emoções humanas acionadas em piloto automático comandado pelo sistema capitalista. 

Com Rael, a cantora aproximou Belchior do universo do rap em Antes do fim (1976). O rapper inseriu versos alusivos à letra de Apenas um rapaz latino-americano (1976), canção presente no roteiro do show orquestrado por Cañas sob direção do guitarrista Fabá Jimenez. 

Aberto com Na hora do almoço (1971), canção interpretada com expansividade que diluiu as intenções da letra sobre a falta de comunicação entre família, o show transcorreu em tons extrovertidos. 

Se Cañas fez Comentário a respeito de John (1979) com o peso do rock, evidenciando o toque da bateria de Loco Sosa, Velha roupa colorida (1976) ganhou o molde do blues, gênero musical no qual o pianista Adriano Grineberg é especialista. 

Surpresa do roteiro da gravação, a inclusão de Monólogo das grandezas do Brasil (1982) deslocou o show para o universo do folk em número de voz e violão, tocado pela própria Ana Cañas de forma modesta, como ressaltou a artista. 

 

Alocada na abertura do segundo ato, iniciado após o registro instrumental de Antes do fim (1976) pela banda que incluiu os músicos Meno Del Picchia (baixo) e Rovilson Pascoal (violão), Sujeito de sorte (1976) envolveu a plateia, sobretudo no segundo take, feito a pedido do diretor Hugo Moura.

Rael canta 'Antes do fim' com Ana Cañas — Foto: Nadja Kouchi / Divulgação

Ney Matogrosso canta 'Paralelas' com Ana Cañas — Foto: Nadja Kouchi / Divulgação

 

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